Para professora da Unicamp, índice confirma racismo e sexismo estruturais no Brasil, em que mulheres e pessoas pretas são submetidas a empregos com menor salário e menos “intelectuais”
A taxa de desemprego maior entre os jovens, pessoas pretas e pardas, mulheres e nordestinos revelada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD Contínua), confirma que o mercado de trabalho no Brasil é desestrutural e desigual. Toda vez que há uma crise a população mais vulnerável e em condições precárias são as dispensadas dos seus empregos, afirma a professora de economia e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, Marilane Teixeira.
“O desemprego entre jovens, pessoas negras e mulheres não tem a ver com escolaridade, mas com racismo estrutural, a desconfiança e práticas racistas e sexistas. O padrão da elite da sociedade brasileira, que é quem emprega, é de contratar brancos, por que ainda têm uma visão do negro indolente, preguiçoso e pela aparência”, acredita Marilane.
De acordo com dados divulgados nesta quarta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o recorde de desemprego atingiu 20 estados do país no ano passado, com destaques negativos para a região Nordeste, onde a taxa média chegou a 16,7%, acima da média nacional de 13,5%, a maior da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012. Em todas as localidades quem mais perdeu emprego e teve menos oportunidades foram os jovens, as pessoas pretas e as mulheres. Veja abaixo a evolução do desemprego nos estados.
O percentual de desemprego entre as pessoas pretas foi de 17,2%, enquanto a dos pardos foi de 15,8%, ambas acima da média nacional (13,9%). Já a taxa dos brancos de (11,5%), ficou abaixo da média. Entre as mulheres foi de 16,4% (também acima da média) e a dos homens ficou em 11,9%.
Em média, a taxa de desocupação de 2020 cresceu 1,62 ponto percentual em relação ao ano anterior, mas entre pessoas pretas e pardas a alta foi maior, de 2,6 e 1,75 pontos percentuais, respectivamente.
Entre a população com faixa etária entre 18 e 24 anos, a alta em relação a 2019 foi de 2,85 pontos percentuais. Em 2020, 29,5% dessa parcela estavam desempregados, mais que o dobro da média nacional.
A economista Marilane Teixeira faz um paralelo com a crise econômica de 2015/2016 que, segundo ela, atingiu mais os setores da indústria e da construção civil, até em decorrência dos desdobramentos da Operação Lava Jato. Ao contrário da crise atual que atingiu mais o serviços, o comércio e os setores de hospedagem e de alojamento, com a necessidade do isolamento social.
“Esta não é uma crise de demanda semelhante a 2015, com queda de renda e interrupção de atividades. Nesta crise há setores produtivos que vêm crescendo como a indústria farmacêutica, de alimentos e bebidas e o agronegócio. Hoje a crise atingiu setores mais heterogêneos, que não têm capacidade nem aporte financeiro para atravessar uma crise desta envergadura e , sem fluxo de caixa a primeira coisa que fizeram foi dispensar o trabalhador”, explica a economista.
Marilane identifica ainda que nesses setores que mais sofrem com a crise estão empregadas, em sua maioria, pessoas pretas, jovens e mulheres. Já nos estados do Nordeste em que houve recordes de desemprego são os setores de alojamento, hospitalidade e turismo, que são muito intensos na região.
“No Nordeste os empregos são mais precários porque as grandes corporações ainda estão muito concentradas na região Sudeste e o agronegócio está muito concentrado na região Centro-Oeste”.
Para a economista, quem está em outras ocupações, não deve voltar tão cedo ao mercado, como é o caso de vários setores de comércio, de bares e pequenos negócios.
Outro ponto fundamental para este aumento do desemprego foi o fim do auxílio emergencial de R$ 600, em dezembro passado. Sem renda, os mais pobres, as empregadas domésticas, os entregadores, o pedreiro por conta própria, antes protegidos com uma renda mínima do auxílio, foram obrigados a procurar emprego, aumentando os índices do desemprego.
Sem o auxílio essas pessoas engrossaram as estatísticas de desemprego. Em 2019, o país tinha 65 milhões de pessoas fora da força de trabalho e no ano passado mais 11 milhões se somaram a elas. Por isso, que pela primeira vez temos mais pessoas fora da força de trabalho do que ocupadas
Brancos empregados
Os brancos e classe média, diz, estão mais seguros, empregados no serviço publico, e os do setor privado, em home office com salários garantidos, analisa Marilane Teixeira.
Segundo ela, nas décadas de 1970/ 1980 era comum tentar justificar a forma de inserção em cargos e ocupações mais precárias com a baixa escolaridade, e que essas distensões salariais iriam se reduzir acentuadamente, mas a população jovem, especialmente a partir dos anos 2000, ampliou seu nível de escolaridade, tanto entre os brancos, como os negros, com ensino médio e superior completos, mas para os negros pouca coisa mudou por causa do racismo.
De acordo com a economista, em relação às mulheres, é comum a empregada doméstica ter curso superior e ter trabalhado antes no comércio e serviços, mas na fila do desemprego e nas crises, o empregador vai lá e escolhe o homem branco, acreditando que ele é mais eficiente do que elas.
“Há ainda os padrões estéticos de ‘boa aparência’ e esses atributos que definem os cargos a serem ocupados. A pessoa negra é a que está escondida atrás de uma máquina, repondo estoques e na limpeza, que é feita ao final do expediente, assim ninguém a vê”, diz.
Evolução do desemprego nos estados
De acordo com o IBGE, houve recorde de desemprego em 10 estados e no Distrito Federal, com destaques negativos para Bahia (19,8%), Alagoas (18,6%), Sergipe (18,4%) e Rio de Janeiro (17,4%).
FONTE:CUT
FOTO: MARCELO CASAL JUNIOR / AGÊNCIA BRASIL