No início deste mês de março, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (Seduc-MT) convocou uma audiência pública para debater o fechamento de uma escola pública estadual na cidade de Vila Rica (MT) e sua transformação em escola militarizada. A medida surpreendeu trabalhadores(as) em educação e a comunidade pela forma com que esse comunicado foi feito.
“Minha primeira inquietação enquanto professora da rede pública estadual de Mato Grosso é ver que o Artigo 5° do decreto 11.273, que institui a militarização de escola no estado de MT, não está sendo respeitado. O decreto é muito claro quando diz que o desejo pela militarização parte da Unidade Escolar e não do órgão responsável pela Unidade escolar, nesse caso Seduc-MT”, relata a professora Marcela da Silva*.
Outro ponto questionado é o fato de a audiência ter sido marcada num ambiente fechado – dentro da escola, no auge da pandemia da COVID-19, com número limitado de pessoas cuja inscrição era por ordem de chegada. Nesse contexto, grupos de pais – muitos deles que tiraram os filhos propositalmente da escola particular e levaram para a escola Vila Rica – e outros membros da comunidade local pernoitaram aglomerados, muitos sem máscaras, em frente ao prédio da Câmara Municipal, apesar das regras sanitárias contra a COVID-19.
Valdeir Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Ensino Público de Mato Grosso (Sintep/MT), manifestou a indignação argumentando o despropósito da Seduc/MT em promover a aglomeração de pessoas no atual cenário de pandemia, justo quando o próprio governador determina medidas para reduzir aglomeração de pessoas.
A audiência foi realizada no dia 5 de março, e a militarização da escola estadual foi aprovada (leia a ata). Porém, os detalhes de quando e como essa escola será militarizada não foram apresentados. O Sintep/MT vai entrar com uma ação na justiça para reverter essa decisão.
Ameaças
“Desde 2019 a educação da Escola Estadual Vila Rica vem sofrendo ataques por parte da sociedade. Nós professores, todos os dias estamos sendo colocados em situações desnecessárias e infundadas por parte de pessoas que se dizem cidadãos de bem com fundamentos cristãos. Estamos sendo expostos, ameaçados… ouvindo xingamentos como “professor que não quer escola militar é bandido” ou “professor não é para dar opinião” e tenho me questionado nos últimos dias: em que momento falamos que não queríamos uma escola militar em nossa cidade?”, questiona a professora Rosa Souza*.
Na avaliação dela, a militarização de uma escola estadual não poderia ser feita, mas nada impede que uma terceira escola seja instituída na cidade: “Nós professores somos formadores de opinião e pensamento crítico. Que tipo de profissionais seríamos se não questionarmos todas essas decisões que estão partindo de cunho político, excluindo nossa comunidade escolar? E todo esse processo está mostrando o quanto falta legalidade em tudo que está acontecendo com a nossa escola”.
Marcela da Silva* acrescenta: “Eu não posso concordar que militarize uma escola acessível para todos, tornando-a acessível para alguns. As políticas públicas têm de ser acessíveis a todos. Vila Rica não pode ficar somente com uma escola estadual com acesso para todos, aqui nós não precisamos findar as instituições públicas que temos, muito pelo contrário, precisamos de mais espaços públicos de qualidade e melhorar o que já temos”.
A professora Renata Vieira desabafa: “O que me preocupa não são os pais que de forma estratégica, tiraram seus filhos da escola particular e os levaram para a escola Vila Rica, mas o silêncio dos pais dos alunos que estão há muito tempo na escola, dos pais de alunos especiais, dos alunos da EJA, que ficarão prejudicados”. Segundo a professora, o que a preocupa é o silêncio, a neutralidade dos profissionais de educação da rede estadual, que serão prejudicados com essa militarização, tendo que trabalhar sob pressão dos militares e ou com salas superlotadas: “Essa luta deveria ser desses sujeitos e não de um minoria que tem coragem de lutar e mostrar a cara. Infelizmente elegemos políticos para governar para uma minoria elitizada”.
*Os nomes foram substituídos para resguardar a identidade das pessoas entrevistadas
Saiba mais sobre a militarização das escolas
De acordo com a nota do Fórum Nacional Popular da Educação (FNPE), a militarização das escolas públicas começou em meados da década de 1990, intensificou-se a partir de 2012 e tem, nos últimos dois anos, seu maior pico de expansão. Com processos distintos por unidade da federação, a militarização ocorre por meio de convênios e parcerias entre as secretarias de educação e de segurança pública e os comandos das polícias militares ou corpos de bombeiros, para implantar nas escolas civis públicas a chamada “metodologia de ensino” dos colégios da Polícia Militar. A partir de 2019 outras formas de militarização ocorreram com a atuação do governo federal em favor da implementação das chamadas escolas cívico-militares.
A Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE) repudiou o Decreto nº 10.004/2019, da Secretaria Geral da Presidência da República, que criou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares – Pecim para a adesão voluntária dos entes federados. A nota da CNTE explica que esse programa fere a gestão democrática das escolas públicas. Além disso, a Confederação defende que o ensino militar se limite aos colégios militares que já existem no país e denuncia o processo de militarização crescente das escolas públicas, alertando a sociedade brasileira para o risco de não termos profissionais de educação devidamente qualificados para o processo de ensino-aprendizagem que uma educação de qualidade requer e exige.
FONTE: CNTE
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