Intitulado “No Brasil, os ricos querem cortar a fila da vacina”, o texto começa fazendo um balanço do contexto atual no país. A revista fala da média de 3 mil mortos por dia e dos 90 mil óbitos registrados em abril. Como já era esperado, “a variante P1 se espalhou como um rastro de pólvora” e provocou “a pior crise sanitária desde o início da pandemia”, resume a reportagem.
Segundo a revista, “o país paga caro pelos cinco meses, entre outubro e fevereiro, durante os quais o governo federal minimizou a importância sanitária da vacinação”. O texto lembra que Brasília inicialmente rejeitou 60 milhões de doses do imunizante chinês Coronavac, esnobou recentemente 30 milhões da russa Sputnik V “sob pressão da diplomacia americana durante a administração de Donald Trump”, e também não encomendou as 70 milhões de doses do laboratório Pfizer, como poderia ter feito. Resultado: o Brasil perdeu a ocasião de implementar uma campanha de vacinação acelerada. “Uma lentidão que abriu uma brecha para a iniciativa privada”, aponta o texto.
“Alegando que o setor privado é mais preparado para negociar com os laboratórios, mais ágil na distribuição das doses e principalmente na compra [dos imunizantes], por meio de empresas que poderiam permitir uma vacinação acelerada de seus funcionários, o lobby [privado] saiu ganhando”, explica a reportagem, em referência ao texto de lei que facilita o acesso de atores do setor privado na aquisição dos imunizantes.
“Cansada de fazer fila, como impõe o plano de vacinação, e consciente do lucro possível, a elite empresarial brasileira, após organizar operações clandestinas de vacinação ‘fura-fila’, vem se acionado junto ao Congresso para ‘sensibilizar’ a classe política sobre os benefícios de uma ‘flexibilização’ do monopólio público para a compra e a distribuição de vacinas contra a Covid-19”, avalia a reportagem.
A revista chama a atenção para a consolidação de um sistema de saúde que avança em ritmos diferentes: de um lado estão aqueles que têm acesso às vacinas por meio da iniciativa privada e, do outro, os que dependem do SUS. Além disso, se a lei for aprovada, as empresas poderão comprar diretamente nos laboratórios e administrar vacinas que não foram validadas pelas Organização Mundial da Saúde (OMS) ou pela Anvisa, o que representa um risco do ponto de vista sanitário, denuncia o texto.
Gestão calamitosa
A reportagem lembra que a questão da desigualdade no acesso à saúde no Brasil já vinha sendo discutida desde a primeira fase da pandemia, em maio de 2020. Principalmente diante da tensão palpável nos serviços de reanimação dos hospitais públicos, algo que praticamente não aconteceu nas estruturas particulares, “acessíveis a apenas 26% dos brasileiros”. Porém, mesmo se beneficia apenas um quarto da população, o sistema privado dispõe do mesmo número de leitos que o serviço público, calcula o texto, que insiste em qualificar de “calamitosa” a gestão da pandemia pelo presidente Bolsonaro.
“O Brasil é bem servido em número de UTIs, bem além do padrão recomendado pela OMS e das capacidades disponíveis na França”, compara o texto. No entanto, essa oferta varia segundo o nível de riqueza e o endereço do cidadão, conclui a revista francesa Alternatives Economiques.
FONTE: DCM
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