Estudantes do Nordeste têm alimentação prejudicada durante a pandemia

19/10/20 | Lutas no Brasil

Metade dos grupos de agricultores familiares da região deixou de fornecer alimentos via programa oficial

Apesar de não estarem nas escolas, os estudantes da rede pública devem receber a alimentação escolar por meio da distribuição de cestas de alimentos durante a pandemia, conforme prevê o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE/MEC).

No entanto, levantamento feito durante os meses de agosto e setembro pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), aponta que, em 2020, a produção de 44% dos grupos de agricultores familiares da região Nordeste e/ou Semiárido deixou de ser comprada por meio do Programa Nacional de Alimentos (PNAE).

A região foi escolhida para a pesquisa por concentrar, historicamente, um grande número de pessoas em situação de pobreza e miséria do país. Foram consultados 168 grupos produtivos de agricultores familiares e pescadores artesanais que fornecem alimentos para as escolas públicas, presentes em 108 municípios da região.

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O PNAE é uma política pública reconhecida mundialmente como estratégia de segurança alimentar e nutricional do Brasil, atendendo a mais de 40 milhões de alunos da rede pública. Para mitigar a insegurança durante a pandemia, a própria lei federal que dispões sobre alimentação escolar foi alterada. No final de março, a Lei Federal nº 11.947/2009 modificada passou a autorizar a distribuição de gêneros alimentícios, adquiridos com recursos do PNAE, diretamente aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica.


Lei 11.947 estabelece que 30% da verba do Programa Nacional de Alimentação Escolar deve ir para agricultura familiar / Divulgação

Mariana Santarelli, que compõe a FBSSAN e é relatora da Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, relembra que há alguns anos a alimentação escolar se resumia a biscoitos, sucos de pacotes e sopas artificiais, mas a partir de 2009, com a determinação de que no mínimo 30% dos alimentos sejam adquiridos da agricultura familiar, houve um grande avanço não apenas para a saúde dos estudantes, mas para a renda de agricultores.

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“Isso tudo favorece muito a organização camponesa, em cooperativas, em associações, para muitos grupos de mulheres que fornecem para o PNAE. Isso tudo é muito relevante do ponto de vista da qualidade da alimentação e da saúde das crianças e adolescentes, como da geração de renda para esses agricultores, povos e comunidades tradicionais e comunidades quilombolas que fornecem para o programa”, diz Santarelli.

Inclusive, a queda na renda dos agricultores também é um dos dados alarmantes do levantamento. Em 2019, aproximadamente 4,5 mil produtores de alimentos, destes 168 grupos produtivos, tiveram um rendimento de aproximadamente R$ 27 milhões. Neste ano, em plena pandemia, os mesmos grupos venderam apenas o equivalente a R$ 3,6 milhões, até setembro.

Apesar de alarmante nesse momento de pandemia, Mariana lembra que a queda já vem acontecendo há cerca de dois anos, com o desmonte de políticas públicas de combate à fome e apoio à reforma agrária. “Essa interrupção que a gente está percebendo agora durante a pandemia é bastante grave, mas já é uma tendência que a gente vinha observando nos últimos dois anos, desde que entraram esses governos que não são muito atentos à questão do combate à fome,  à segurança alimentar e com o desmonte de políticas públicas fundamentais”, afirma.

Diante da redução no fornecimento, 45% destes coletivos se engajaram em iniciativas de doação de alimentos por meio de iniciativas de solidariedade e também como forma de evitar o desperdício alimentar, em meio ao crescente índice de fome, desemprego e miséria no país.


No Maranhão, cestas de alimentos são doadas a famílias em situação de vulnerabilidade social / MST-MA

Os produtores da agricultura familiar do MST, por exemplo, mantém campanhas de solidariedade e já doaram mais de 3.400 toneladas de alimentos em todo o país, somando-se a ações da Campanha Periferia Viva e a iniciativa Vamos Precisar de Todo Mundo.

Para a ASA, a redução de 44% dos grupos de agricultores fornecedores ao PNAE e o consequente declínio na entrega dos alimentos, prejudica além de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, produtores da agricultura familiar e o país como um todo.

“A gente fica sem entender porque os prefeitos bloqueiam esse processo. A gente fica sem entender o que está por trás desse empecilho, dessa decisão política de não fazer valer o PNAE. E a gente avalia que o fundamental agora, é a sociedade se mobilizar”, explica Naidison Quintella, coordenador nacional da ASA pelo estado da Bahia.

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A fim de mobilizar a sociedade e pressionar as gestões públicas em defesa da aquisição e fornecimento de alimentos saudáveis aos estudantes do país, no próximo dia 4 de novembro, a FBSSAN, a ASA e a Plataforma DHESCA realizarão uma Audiência Popular pela internet, a fim de que voltem a comprar alimentos das famílias agricultoras, mesmo durante a pandemia.

FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO: Divulgação MST

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