Artigo – “Será uma limpeza nunca vista na História do Brasil” ou “o bolsonarismo e a demolição da democracia brasileira”, aponta em artigo o professor Helder Nogueira

22/04/21 | Lutas no Brasil

O recente relatório publicado (março/2021) pelo Instituto Variações da Democracia (V-Dem), ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia, destaca que o Brasil foi o quarto país do mundo que mais se afastou da democracia em 2020.

O instituto conta com uma equipe de mais de 50 cientistas sociais distribuídos em seis continentes. A realização do trabalho de pesquisa e levantamento de dados conta com mais de 3.500 pesquisadores e analistas políticos nacionais e um Conselho Consultivo Internacional verdadeiramente global.

A partir do pressuposto da democracia como um conceito multidimensional, a composição do resultado é definida a partir de 450 indicadores que mensuram diferentes aspectos dos regimes políticos. São dados vinculados às dimensões eleitoral, liberal, participativa, deliberativa e igualitária.

Os indicadores privilegiam questões como o grau de liberdade do Judiciário e do Legislativo em relação ao Executivo, a liberdade de expressão da população, a disseminação de informações falsas por fontes oficiais, a repressão a manifestações da sociedade civil, a liberdade e independência de imprensa e a liberdade de oposição política.

Em 2020, a queda do Brasil só não foi maior que países como Polônia, Hungria e Turquia. Os três países vivem sob regimes de extrema direita. No caso dos dois últimos, um sob regime do direitista Viktor Orban e outro sob comando do conservador Recep Erdogan, tornaram-se oficialmente autocracias, na classificação do V-Dem.

Em tais regimes políticos, temos características como a fragilização da sociedade civil, a perseguição a opositores políticos, a fragilização da autonomia institucional e a ausência de eleições transparentes e justas.

No final de 2018, após o resultado das eleições no Brasil, o presidente eleito Jair Bolsonaro, ao tratar de potenciais opositores e de alguns setores da sociedade brasileira, afirmou: “Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Será uma limpeza nunca vista na história do Brasil”2.

A “limpeza” a que o presidente se referiu, permeada de radicalismo odioso e autoritário, segue o caminho da demolição da democracia brasileira. Algumas iniciativas presidenciais são explícitas nesse sentido e definem um verdadeiro alinhamento político contrário ao Estado Democrático de Direito. Podemos destacar três questões muito pertinentes.

A questão da disseminação de notícias falsas a partir do próprio Palácio do Planalto. A partir do chamado “gabinete do ódio”, com operadores pagos com recursos públicos e orientados por uma estratégia de desestabilização institucional contínua e mobilização social em torno de polarizações baseadas em mentiras, o que favoreceu, inclusive, a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das “Fake News”.

A questão do esforço contínuo de partidarização das forças armadas. Há um excesso de militares da ativa em cargos governamentais. Além disso, as contínuas declarações presidenciais taxando a instituição de Estado como “meu exército” acabaram por gerar um episódio inédito na Nova República brasileira: a demissão de todos os comandantes das forças ao mesmo tempo.

A questão da desestabilização do judiciário. Nesse caso, observamos o contraditório cenário de partidarização da operação Lava Jato, que colocou um juiz como opositor político de um partido para “julgar” o ex-presidente Lula. Soma-se a isso o cenário de permanente atrito do bolsonarismo com as instâncias do judiciário, principalmente o Supremo Tribunal Federal.

A culminância disso é a mobilização popular para atos contrários à democracia e às instituições do Estado Democrático de Direito. Muitas dessas atividades chegaram a ser convocadas por ministros e outros agentes do governo federal.

A promoção de uma estratégia política de apologia à ditadura militar e contínua desestabilização das instituições estatais, inclusive com permanente mobilização popular para tal empreitada, fazem com que a “limpeza” prometida por Bolsonaro seja contra o próprio povo brasileiro e a democracia conquistada com muita luta.

* Helder Nogueira é professor , Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ética e Filosofia Política, além de integrante da Direção Nacional da CUT.

FONTE: O POVO ONLINE
FOTO: REPRODUÇÃO

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