A trágica desconstrução federativa da educação nacional no Governo Bolsonaro.

15/06/20 | Lutas no Brasil

A grave crise política nacional, intensificada pela pandemia em nosso território, ganha contornos trágicos quando tratamos da atuação desastrosa da União na política educacional. As linhas estratégicas que definem a gestão do atual ministro da educação pode ser definidas como: guerra ideológica e intervencionismo quando se trata de gestão democrática; desmonte a marretadas quando se trata de políticas de Estado como o Plano Nacional de Educação – PNE; cortes e privatização quando se trata do orçamento; flexibilização e omissão quando se trata da cooperação federativa.

Em síntese, estamos caminhando para o abismo do retrocesso, com retração de todos os principais indicadores e conquistas sociais dos últimos governos. A profunda crise provocada pela pandemia intensifica essa tendência desastrosa, uma geração pode ser perdida do ponto de vista da inclusão educacional.

O regime de colaboração federativa que deve organizar a educação nacional como direito, algo preconizado no artigo 211 da Constituição Federal ao definir como desenho institucional que a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal, precisam atuar de forma integrada na organização dos seus respectivos sistemas.

A União “deve exercer função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios” (CF. Art. 211). Grifo nosso.

Na atual encruzilhada histórica que nos encontramos, as exigências do regime de colaboração adquirem um caráter ainda mais decisivo, principalmente quando estamos tratando de mais de 47 milhões de estudantes na educação básica, cidadãos brasileiros, que precisam ter garantias de acesso e permanência, com igualdade de oportunidades e padrão mínimo de qualidade. É motivo de enorme preocupação a profunda ausência do governo federal na coordenação das políticas e ações.

No início do mês de abril, foi editada a Medida Provisória No 934/2020, que ao estabelecer um regramento excepcional para o ano letivo da educação básica e do ensino superior, dispensa, em caráter excepcional, a obrigatoriedade de observar o mínimo de dias letivos de efetivo trabalho escolar, e entrega aos sistemas de ensino a definição de regramento para a execução da carga horária mínima de 800 horas.

No final do mês de abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou o Parecer CNE/CP No 5/2020, para orientar a reorganização do calendário escolar, ao prever a possibilidade de cumprimento da carga horária mínima anual com atividades não presenciais, em razão da Pandemia em curso no país. Além de apresentar alternativas ao cumprimento da jornada escolar, o conselho define aquilo que pode ser compreendido como “atividade não presencial” para tal fim.

Apenas no início de junho, o Ministério da Educação (MEC) resolveu homologar as tímidas orientações definidas no parecer do CNE. Mesmo assim, o ministério vetou a parte do parecer que trata da avaliação, ou seja, ainda não temos mecanismos para mensurar as ações, muito menos para avaliar os níveis de exclusão escolar no contexto do isolamento social.

Nas chamadas “atividades pedagógicas não presenciais” discutidas e implementadas nos meses de abril e maio, de forma fragmentada e por inciativa de cada ente federado, formalmente contabilizadas como “dias letivos e carga horária obrigatória”, observa-se diversas situações que potencialmente atentam ao que preconiza o capítulo da educação na nossa Constituição Federal.

A ênfase que o parecer do CNE, homologado pelo MEC, evidencia sobre a “atividade não presencial com ações on-line”, mencionadas no documento pelo menos 20 vezes, trazem à tona a exclusão digital de parcela significativa da população brasileira. Principalmente ao considerar que 85% das matrículas na educação básica estão concentradas no setor público. As dificuldades no acesso à internet e/ou falta de equipamentos eletrônicos como computadores, tablets ou smartphones, definem de forma decisiva a negação da universalidade do acesso a educação no país.

As dificuldades no acesso aos materiais didáticos, por parte dos estudantes, sejam pela ausência de cadastro prévio dos mesmos, formulação de materiais específicos ou logística apropriada de distribuição domiciliar, podem gerar lacunas decisivas no processo de ensino-aprendizagem.

O cenário que se apresenta é tendencialmente catastrófico, insegurança dos estudantes e suas famílias com relação a conclusão do ano letivo e sua consequente progressão escolar e ausência de garantias mínimas de proteção alimentar dos estudantes de forma equalizada em todo o território nacional.

Vale destacar as múltiplas situações agudas de estresse psicológico no âmbito da comunidade escolar, estudantes, famílias e trabalhadores em educação, por conta do confinamento, das situações de precariedade urbanas estruturais realçadas de forma intensa ante os efeitos da pandemia, concomitantemente as exigências por produtividade e adaptação a ambientes de ensino virtuais.

Para exemplificar tal situação, vide as peças publicitárias veiculadas pelo MEC sobre o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – que crava “a vida não pode parar” e “estude de qualquer lugar, de diferentes formas”. A própria data do exame só foi adiada por ampla pressão da sociedade brasileira, foi preciso uma verdadeira campanha cívica pra obrigar os gestores do governo federal a constatar a obviedade da necessidade do adiamento do exame.

As posturas do MEC são negligentes e irresponsáveis, pra dizer o mínimo, ao desconsiderar às mais variadas situações socioeconômicas das famílias dos milhões de estudantes da educação básica das redes públicas no país. No atual contexto, com a natural imposição de maiores responsabilidades às famílias dos trabalhadores e trabalhadoras, majoritariamente precarizados e informais, sobre a realização das atividades escolares, cria-se um cenário perfeito pra aprofundar as já latentes desigualdades educacionais.

A consideração evidente de fatores como o nível de escolaridade das famílias; e a sobrecarga de trabalho, sobretudo das mulheres; deveriam por si, preocupar gestores responsáveis e compromissados minimamente com a efetividade do direito a educação no país.

O vínculo educativo da comunidade escolar está sendo seriamente comprometido, a ausência de diálogo social em matéria educacional, ante a grave tragédia nacional que estamos vivendo, deve provocar retrocessos de pelos menos uma década em indicadores educacionais, como os índices de evasão escolar. A lógica da flexibilização sem o mínimo planejamento federativo pactuado a partir da União, deve resultar no catastrófico resultado da exclusão de toda uma geração de brasileiros e brasileiras.

A sociedade brasileira precisa exigir do MEC o mínimo de transparência nos dados da educação brasileira no contexto a pandemia, chama atenção o fato da homologação do parecer do CNE pelo MEC, com a suspensão do trecho de avaliações e exames, as redes de ensino seguem sem definição sobre como vão mensurar a aprendizagem dos alunos durante e depois da quarentena.

O acesso a dados oficiais confiáveis sobre o atual cenário da educação nacional, para o mínimo de controle social e transparência no monitoramento das diversas iniciativas e ações das redes de ensino ao longo do período de isolamento, é algo decisivo para definir políticas que garantam o aprimoramento das ações emergenciais enquanto ainda é possível corrigir rumos e prevenir distorções.

É preciso que o Congresso Nacional e as demais instituições estatais, em diálogo social democrático com as universidades, sindicatos e entidades da sociedade civil, construa uma agenda responsável para: 1) garantir financiamento específico e emergencial com foco na definição de uma política educacional nacional em tempos de pandemia; 2) definir mecanismos de coleta de dados e avaliação das iniciativas em curso; 3) apontar propostas como um programa nacional de universalização do acesso a internet e meios tecnológicos necessários para que todos os estudantes das escolas públicas do país possam ter oportunidades mínimas de aprender.

 

 

Helder Nogueira Andrade é professor Efetivo da Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do Ceará. Doutor em Ciências Sociais (UFRN); Mestre em Ética e Filosofia Política (UECE); Especialista em Gestão e Políticas Públicas (FESPSP/Fundação Perseu Abramo; Historiador (UFC). Atualmente é membro da Direção Nacional da CUT; Vice-Presidente da CUT-Ceará; Secretário Estadual de Organização do PT-Ceará; Membro efetivo do Conselho Estadual do Trabalho no Ceará e do Fórum Estadual de Educação do Ceará.  

FONTE:CUT
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