A quantidade enorme de infectados e óbitos no país está diretamente relacionada à duração dessa estratégia de puro negacionismo por tanto tempo
A estratégia de Bolsonaro em relação à vacinação contra a Covid-19 no Brasil pouco a pouco foi ficando clara nas últimas semanas de 2020. Percebendo sua incapacidade de promover um plano de imunização nacional eficiente e que promovesse cobertura vacinal a toda população brasileira, a estratégia do governo é de clara omissão e isenção de responsabilidade no combate à pandemia no país de maneira pública, enquanto tenta rapidamente se mexer nos bastidores pra correr atrás do tempo perdido. Não à toa o seu longo período de férias na passagem de 2020 para 2021, com passeios e comemorações como se nada estivesse acontecendo no país governado por ele próprio, enquanto seus ministros e sua equipe tentavam se mexer para a compra de insumos e estoques de vacina.
A estratégia de minimizar a pandemia no Brasil já estava clara há muito tempo. Quem não se lembra das expressões “gripezinha”, ou o seu “e daí?” quando questionado sobre as mortes pelo vírus? A quantidade enorme de infectados e óbitos no país está diretamente relacionada à duração dessa estratégia de puro negacionismo por tanto tempo, mas conforme os outros países passaram a avançar nos seus planos de vacinação e uma série de vacinas passaram a se tornar realidade, Bolsonaro recebeu um “xeque” – pra usar o termo do xadrez – do governador João Doria, pressionando o governo federal para que também promovesse uma campanha de vacinação tal como ele anunciara para o estado de São Paulo.
Tentando se mover rapidamente nos bastidores para dar uma resposta política ao governador – seu desafiante político dentro do campo da direita político-partidária, Bolsonaro tentou um “xeque-mate”, mas já havia perdido o “timing”. Percebeu que não teríamos infraestrutura tão em cima da hora para promover um verdadeiro Plano Nacional de Imunização. Aliás, qualquer pessoa que leu o plano apresentado pelo seu governo passou a ter isso claro também.
Não possuímos agulhas nem seringas suficientes pra promover a imunização completa da população e aqui nesse caso a responsabilidade não é exclusiva do presidente, mas também do seu ministro da Saúde, elogiado pela sua formação em Logística, mas que prova a cada dia não entender nada da área. O pregão que seria promovido para comprarmos esses dois itens foi um fracasso. Foram comprados apenas 2,3% do total que deveria ser comprado para imunizar nossa população e o governo federal agora restringiu as exportações desse setor para que os itens sejam usados exclusivamente pelo governo aqui no país.
Essas horas fico pensando o que diria o então deputado federal Jair Bolsonaro ao ver o governo promover uma intervenção como essa nas empresas privadas…
Creio que Bolsonaro agora se verá forçado a seguir nessa estratégia por mais tempo que gostaria pois o “timing” da compra de vacinas passou. E quando digo a compra de vacinas refiro-me a um estoque grande o suficiente pra imunizar uma parcela significativa da população, e não apenas uma carga simbólica pra gerar um fato político e fotos nas redes sociais do presidente (outra estratégia que creio que ele irá usar em breve). A população em sua maioria quer de fato ser vacinada e Bolsonaro percebeu que se os estados começarem os seus planos e retomarem um mínimo de normalidade sua popularidade irá cair, algo já esperado para os próximos meses com o fim do pagamento do auxílio emergencial.
Por enquanto, estamos vendo de camarote pelas redes sociais e pela televisão os planos de imunização por todo mundo avançarem e ainda que alguns países tenham dificuldades por algum tempo, decretando novos lockdowns, sua população pouco a pouco será imunizada e retomará suas atividades sociais. Assim, a “roda da economia” desses países também irá começar a girar e a circulação de pessoas por diferentes países também, reaquecendo o setor do turismo.
No momento em que escrevo esse texto, mais de 50 países já começaram suas campanhas de vacinação. O Brasil está longe de ser um deles, e a cada dia de atraso são mais de mil óbitos causados pela Covid-19 que poderiam ser evitadas e que entram na conta de quem nos governa, em todas as esferas de poder.
*Rafael Moreira é doutor e mestre em Ciência Política pela USP.
FONTE: REVISTA FÓRUM
FOTO: Xinhua