Investimento no bem-estar social é opção para reverter falência do atual sistema econômico

10/05/21 | Lutas no Brasil

Professora Celia Lessa Kerstenetzky demonstra que, ao contrário do que apregoa o neoliberalismo, a saída é investir em políticas que tenham a sociedade como foco

A professora Celia Kerstenetzky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta o bem-estar social, ou welfare state, como um modelo viável para reverter o fracasso do atual sistema econômico. Ela aponta saídas pela expansão do gasto público social, priorização da tributação progressiva e desconcentração do capital, defendendo que o caminho já se mostrou viável como anteparo a crises, a exemplo do que ocorreu na chamada grande recessão, mas que precisa sair da defensiva e passar a ser protagonista.

Ela fez a apresentação no painel O Estado de Bem-Estar Social para o século XXI: uma necessidade pós pandemia, promovido em live veiculada na segunda-feira (3) pela Plataforma Região e Redes.

“Chegou a hora de observar que os mecanismos que existem para alocação de recursos dentro da nossa economia estão falhando fragorosamente”, diz. Os atuais mecanismos, segundo Celia Kerstenetzky, só criam mais desigualdades e o welfare state sempre vai atrás para tentar compensar”, acrescenta. “Mas a sensação que a gente tem é que essa compensação está perdendo se comparado com o ritmo da criação de problemas. Desigualdade é um front que já acendeu a luz vermelha.” Ela destaca também a questão ambiental: “é o mercado avançando sobre recursos naturais e trazendo riscos planetários que envolvem todos nós e as demais espécies com as quais a gente compartilha esse planeta”.

“Qual o mecanismo com o qual a gente pode contar para pensar em uma forma de alocação mais racional? A ideia é que o welfare state possa ocupar esse espaço”, sugere. “Não é suficiente a gente pensar nele apenas como sendo uma forma de Estado que lida com a questão distributiva, que protege trazendo equilíbrio. Mas também é preciso perceber o quanto ele é importante na questão de alocação de recursos, de riqueza”, diz. “(O Estado de bem-estar social) nunca era buscado deliberadamente, era mais um efeito indireto do que propriamente pretendido.”


Assista ao programa na íntegra


Serviços sociais públicos

Celia Kerstenetzky elencou três zonas de ação dos governos onde a política de bem-estar social pode atuar. Uma é o trabalho, onde o foco são os serviços sociais públicos, especialmente a educação. “Desviar mais recursos para serviços sociais públicos, com atenção especial para a educação continuada, e olhar para a garantia de renda e salário mínimo”, resumiu. Os outros dois espaços de intervenção estatal estão relacionados com a tributação e o capital.

“Do ponto de vista da esfera do trabalho, tem a questão dos serviços sociais públicos – saúde, educação, cultura, cuidado, etc. – cuja expansão é absolutamente multifuncional. Ela não só satisfaz essas necessidades sociais promovento bem-estar diretamente, mas também gera bons empregos e empregos sustentáveis, associados a uma pegada ambiental muito menor do que empregos que dependem de processos produtivos que têm de uma base material maior ou que são mais intensivos em recursos naturais. Além disso, podem desenvolver uma interação bastante interessante com serviços de tecnologia.”

“Dentro desses serviços sociais públicos você tem espaço para uma educação continuada, que dura toda a vida da pessoa. Conhecimentos para sí mesmo, com razões instrumentais, uma área que certamente precisa se expandir. Claro que isso não é suficiente para uma garantia de renda e a gente precisa ter salário mínimo e uma renda mínima garantida”, destaca.

Tributação e capital

Já na área tributária, “é a velha agenda. Pensar num financiamento progressivo. A gente precisa de uma estrutura tributária forte baseada em impostos progressivos: sobre renda, riqueza, herança e tal”. Vale lembrar que a chamada tributação progressiva, a grosso modo, arrecada mais de quem tem mais, pois ela progride de acordo com a renda. O inverso é a tributação regressiva, onde arrecada proporcionalmente mais de quem ganha menos, formato achado nos impostos ligados ao consumo, por exemplo, como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Celia Kerstenetzky comentou também sobre redução de problemas associados à concentração de capital. “Seria interessante a gente pensar como políticas de redistribuição de capital podem minorar o quanto a gente fica na mão de pessoas que são proprietários de uma quantidade enorme de capital.”

E o Brasil?

A pesquisadora disse ver espaço para o aumento dos serviços sociais públicos no Brasil. Lembra que aqui apenas 12% de todos os trabalhadores estão neste setor, contra 14,5% dos Estados Unidos, 21,3% da média dos países da OCDE, 28% na Suécia e 32% na Dinamarca. “A gente tem uma brecha para crescimento e pode explorar justamente expandindo os serviços sociais públicos, que são os setores melhores dentro dos serviços do mercado de trabalho”, diz. Vale lembrar que a OCDE, ou Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, reúne 37 países desenvolvidos, grupo o qual o Brasil não integra.

“A gente tem a maior parte dos empregos no Brasil gerados no setor de serviços (65% a 70%), mas estão concentrados nos subsetores menos interessantes, no comércio e setor pessoal, onde estão restaurantes, hoteis e também o emprego doméstico. Esses subsetores, conjuntamente, respondem por 60% dos empregos de serviços. Ou seja, a maior parte que o setor de serviços gera são empregos de qualidade muito ruim.”

Ela fala sobre qual seria o melhor subsetor de serviços aqui no Brasil, visando melhorar o mercado de trabalho: “Tem o de serviços sociais. Na maior parte dos países de economias avançadas esse é o mais importante, é o que gera mais empregos, mais de 40% dentro dos serviços.” No caso brasileiro é 25%. A China é 55%. Tá abaixo também da África do Sul, da Argentina, Uruguai e da média dos países da OCDE. “A gente pode fazer melhor.”

Sobre o Welfare state

No início da apresentação, Celia Kerstenetzky detalhou um pouco sobre o tema em que iria desenvolver. “Quando a gente fala em estado de bem-estar social, ou welfare state, a gente está falando sobre uma forma de Estado, com todas as implicações que isso tem, sobretudo as de natureza política. Não é só um conjunto de intervenções, programas, agências ou instituições, mas também existe uma política relacionada a essa agenda. Antes, a gente pensa o que a gente quer. Quais são as ideias centrais que nos movem, intensidade, direção e o quão transformadora a gente quer que seja”, explicou. “Eu evito usar a expressão proteção social, pois isso é parte do que o welfare state faz. Além da proteção, ele tem uma ambição de promover um equilíbrio social.”

Ela continua: “Esse é um campo de disputas de projetos sobre o que a gente quer que um wefare state faça. Por exemplo, o quão importante é a questão da desigualdade. Existe uma variedade de estados de bem-estar no mundo e para alguns a desigualdade não é tão importante quanto é para outros. E de qual desigualdade a gente está falando? Rendimentos do mercado de trabalho, concentração no topo da distribuição, as questões do capital e da propriedade privada. Quer dizer, o quão profundamente a gente quer ir nessa agenda. Isso é tudo profundamente político, no bom sentido do termo. Tem muita discussão, deliberação, debate e, eventualmente, disputa de projeto.”

Anteparo à grande recessão

A professora da UFRJ fez um recorte no tempo entre para ilustrar como o estado de bem-estar social agiu a favor da sociedade. Abrodou a chamada grande recessão, período entre os anos 2000 e 2010 marcado por declínio econômico mundial. “Foi importantíssimo como anteparo, uma proteção à sociedade e uma promoção do equilíbrio social. Todas as expectativas eram de que a grande recessão inviabilizaria financeiramente, fiscalmente, um welfare state e na verdade o que a gente viu foi que ele se expandiu entre 2007 e 2014″, diz. “A Coreia deu uma bela deslanchada, talvez tenha sido o país que mais tenha crescido, embora parta de um patamar baixo, cerca de 6%, fora educação, em 2005, para 10% em 2013 e 2014.”

Sobre a tributação, porém, os resultados não foram os melhores. Além de uma leve evolução nos países da OCDE, ela ficou menos progressiva. “Os impostos progressivos continuam sendo a fonte principal de financiamento do welfare state, mas você teve uma diminiução das alíquotas do impostos corporativos e um aumento dos impostos indiretos, que são mais regressivos. Então aumentaram os recursos, mas com esse viés de regressividade, o que preocupa um pouco.”

Assim, Celia Kerstenetzky demonstra a existência de uma taxa de crescimento dos gastos sociais em termos reais, entre 2008 e 2013. Conclui que expandiu em média três pontos percentuais do PIB na OCDE. Como a tributação acompanhou com um ponto percentual, os outros dois são de aumento no gasto público. “Ou seja, esse crescimento de três pontos percentuais veio do gasto social ter avançado dentro das funções públicas do estado, inclusive na avaliação per capita”, explica. Assim, diz-se estar “convencida que esse período da grande recessão não foi um período de grande regressão do welfare state, ao contrário, foi um período em que ele continuou se expandindo”.

 

FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: Reprodução / YouTube

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