Especialista ouvido pelo Portal CUT avalia que atitudes simples como cobrança e fiscalização, tirariam país da crise e ajudariam a ampliar investimentos em áreas fundamentais, como saúde e educação
De janeiro até agora o Brasil deixou de arrecadar mais de R$ 353 bilhões por causa da sonegação de impostos, segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). O montante é atualizado em tempo real pelo Sonegômetro, ferramenta criada pelo Sinprofaz.
São valores impressionantes e a rigor, infelizmente não causam surpresa, apesar da crise fiscal aparentemente insolúvel e dos prejuízos que a sonegação representa para a classe trabalhadora, que mais usa os serviços públicos de saúde e educação, entre outros serviços públicos que perdem com a falta de recursos para investimento, critica o assessor do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Roberto Piscitelli.
“Se somarmos as sonegações, as renúncias fiscais, que no orçamento para 2019 estão estimadas em R$ 303,5 bilhões, aos subsídios, que são outras centenas de bilhões, se tem uma ideia do tamanho da crise fiscal”.
A crítica do economista à estrutura tributária brasileira vai na mesma linha que a CUT faz desde 2008: a composição da carga tributária no Brasil é altamente injusta e regressiva, quem ganha menos paga mais e quem ganha mais, paga menos. A Central defende uma estrutura progressiva que faça os mais ricos pagarem mais e chegou a fazer propostas de mudanças na estrutura tributária brasileira (veja no final).
Hoje, como confirma o economista Roberto Piscitelli, “o pequeno contribuinte, em geral, assalariado ou servidor público; ou alguém que recebe na fonte e tem desconto do imposto antes de receber a restituição, é quem declara rendimento todos os anos”.
Esquemas dos sonegadores: empresas, artistas e jogadores de futebol
As grandes empresas têm um corpo técnico de planejamento tributário cujo trabalho é se aproveitar das brechas da lei, mesmo que não seja uma coisa flagrantemente legal, para se beneficiar pagando menos e/ou sonegando impostos.
“Eles têm consultores, advogados, relações que lhes dão uma margem de atuação mais ampla, conhecem políticos e transitam entre poderosos. Claro que uma grande empresa que atua em mercados externos provavelmente tenderá a sonegar através de ciclos de transações mais sofisticados, remessas ilegais de moeda ao exterior, super e subfaturamento, coisas mais difíceis de serem feitas por quem não está nos circuitos internacionais e tem uma área de atuação limitada, com uma economia doméstica, um pequeno corpo e atuação em território nacional”, explica o economista.
E, na medida em que se ampliam os horizontes das empresas de grande porte, fatalmente haverá possibilidades de atuar em mercados internacionais por meio de empresas fantasma, constituindo empresas no exterior, com base de apoio jurídico especializado, muito mais difícil de ser controlado, coisa que uma pequena ou média empresa não pode nem consegue fazer.
“Com a facilidade de hoje em dia em operar transações instantaneamente e com muitas intermediações, facilita bastante”, afirma Roberto Piscitelli, do Confecon.
Já no caso de pessoas famosas, conhecidas nacionalmente, como atletas ou artistas, existem alguns mecanismos que possibilitam fazer o chamado planejamento tributário, onde a pessoa escolhe um local de domicílio e paga um imposto onde a carga for menos onerosa.
“Também tem casos que envolvem transferências de jogadores, que é praticamente certo existirem irregularidades, mas para isso nunca houve determinação ou preocupação em apurá-las, ou investigar a fundo. Por outro lado, algumas dessas sonegações envolvem transferências de recursos de dupla jurisdição, que muitas vezes precisa da cooperação de outros países, o que torna bem mais difícil a apuração e mensuração da sonegação”, denunciou.
Recentemente, o jogador Neymar esteve envolvido em processos de suposta sonegação de impostos entre 2011 e 2013. Depois de obter vitória no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional desistiu do recurso contra esta decisão no processo fiscal que chegaria hoje a R$ 200 milhões (com correção monetária).
Solução para o problema
A solução para sair da crise não está na austeridade proposta pelo governo ilegítimo e golpista de Michel Temer (MDB-SP) que, em conluio com parlamentares governistas que aprovaram, logo em seguida à consolidação do golpe, a Emenda Constitucional 95, que congela por duas décadas os investimentos públicos, em especial saúde e educação, na avaliação do economista do Cofecon.
“Ajudaria muito se houvesse interesse, por parte do Estado, em recompor a arrecadação e em cobrar aquilo que é devido. Colocar a fiscalização em ação e ser mais ágil na cobrança dos débitos seria uma solução para curto prazo”, exemplifica o economista.
Piscitelli disse que os valores na estimativa da sonegação no país são maiores do que qualquer investimento em políticas públicas voltadas, especialmente, para áreas sociais como saúde, educação e segurança pública, além do previdenciário.
“O malfadado déficit da previdência, ainda que se questione o modo como eles calculam esses valores, mesmo que eles estejam certos – mas não estão – sobre o presumido saldo negativo previdenciário, estaria muito abaixo dos volumes estimados com sonegação”.
Reforma tributária
Quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo, revelou pesquisa no final do ano passado e, um dos mecanismos para amenizar essa concentração seria uma reforma tributária que merecesse esse título, “e não essas que são propostas periodicamente, como a do Haully [Luiz Carlos Haully/PSDB-PR] que está tramitando na Câmara, argumentou.
A reforma tributária que eles [PSDB] querem é para aliviar as exigências em relação aos ricos, aos grandes empresários, reduzir o número de impostos
Para ele, nada disso que está sendo proposto altera o quadro de distribuição de renda como seria, por exemplo, por meio de uma mudança substancial na legislação do Imposto de Renda de Pessoa Física.
“Se fala em justiça fiscal, mas desse jeito ela só acontece entre os trabalhadores, em cima do rendimento dos assalariados. Isso nunca toca na parcela do capital. Nunca tratam de melhorar essa distribuição e ela nunca é tratada com a seriedade que deveria”, desabafou.
Conforme explicou, existem mudanças que não dependeriam de alterações constitucionais e podem ser feitas por lei complementar ou ordinária, além das que precisam de mudanças na Constituição, mas dependeriam do voto da maioria dos congressistas, deputados e senadores que hoje são grandes empresários.
O economista sugere que a reforma tributária deveria ser prioritária, “sempre foi, mas não interessa fazer porque mexeria nos interesses dos poderosos”.
A proposta da CUT
Em 2011, a CUT realizou o seminário “Tributos e Desenvolvimento: perspectivas para o trabalho e a distribuição de renda”, para debater e formalizar suas propostas para as mudanças necessárias na estrutura tributária brasileira.
Um dos objetivos da discussão foi debater a promoção da distribuição de renda, tornando a estrutura de tributos progressiva, ou seja, diminuindo a carga sobre quem ganha menos e aumentando a de quem ganha mais. Outro ponto fundamental das mudanças para a CUT deve ser o estímulo à produção e o combate à especulação.
Algumas propostas para a Reforma Tributária apresentadas pela CUT:
– eliminar a cobrança do imposto de renda sobre as aposentadorias;
– dedução do imposto de renda dos gastos com planos de saúde e educação;
– dedução do imposto de renda para gastos com aluguel;
– redução de impostos sobre produtos de consumo popular;
– aumento da tributação sobre itens de consumo de luxo, como joias, por exemplo;
– aumento do número de faixas da tabela do imposto de renda;
– que o 13º salário passe a ser somado aos 12 salários do ano e, assim, deixe de ter tributação exclusiva;
– incentivo a empresas que empregam muitas pessoas, transferindo parte da contribuição patronal ao INSS para o faturamento, reduzindo a incidência sobre a folha;
– imposto sobre grandes fortunas;
-aumento da participação dos tributos diretos (aplicados sobre a renda) no total arrecadado; entre outras.