Troika, evolução do salário mínimo e Chico Buarque: Portugal hoje e Brasil ontem

14/10/19 | Lutas no Brasil

Dirigente da CGTP, que participou de congresso da CUT, diz que Brasil adota políticas “anti-econômicas”, como ocorreu em seu país poucos anos atrás

Praia Grande (SP) – Integrante da comissão executiva da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), Augusto Praça foi um dos 100 convidados internacionais do 13º congresso da CUT. Não foram poucas as comparações entre os momentos vividos por Brasil e Portugal na economia e na política – e até na cultura. Enquanto aqui a direita cresce e vem atropelando conquistas sociais, lá as recentes eleições consolidaram avanço de forças progressistas, além de um período que aponta para recuperação. “Podemos dizer que o Brasil atual era Portugal de 2011 a 2014”, compara o sindicalista, referindo-se a época de medidas de austeridade impostas pela chamada troika, formada pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional.

Conforme diz Augusto, dirigente do ramo hoteleiro e responsável pela área de relações internacionais da central sindical – surgida há quase 50 anos –, os integrantes da troika “impuseram medidas econômicas antieconomia” “Sempre defendemos o contrário. A CGTP sempre entendeu que a forma de atacar os problemas não era cortar os direitos dos trabalhadores”, afirma, ao lembrar que a maior parte da atividade econômica é voltada para o mercado interno.

“Era claramente uma ideologia”, diz Augusto, referindo-se às medidas defendidas por governos anteriores: ataques à contratação coletiva, aos salários, aos servidores públicos, contra a saúde e a educação. “Aqui (Brasil) atacam a Previdência, os salários, os investimentos públicos. Estamos convencidos que o Brasil só pode voltar a crescer com políticas que garantam aumento de salário, contratação coletiva.” Não é um caminho rápido: “Nós mesmos em 2018 não tínhamos recuperado, em termos de Produto Interno Bruto, as perdas que essas medidas antieconomia tiveram. Recompor todo o tecido econômico leva anos. Sem investimento, sem poder de compra dos trabalhadores não há possibilidade de desenvolvimento”.

Salário mínimo cresce. Lá

Um dos itens chave do atual período de recuperação econômica portuguesa foi uma política de valorização do salário mínimo, caminho que o Brasil trilhou até pouco tempo e que agora abandonou. Estudo divulgado recentemente pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (Quando a decisão pública molda o mercado: a relevância do salário mínimo em tempos de estagnação salarial) mostra que o piso nacional, depois de longo período de congelamento, entre 2011 e 2014, teve crescimento significativo de setembro de 2014 até janeiro último, passando de 485 para 600 euros, em torno de R$ 2.500.

“Importa notar que, apesar das preocupações iniciais suscitadas em relação a potenciais efeitos negativos – nomeadamente por parte da Comissão Europeia, de forma vincada nos country reports de 2016 e 2017 (CE, 2016, 2017) – o aumento do salário mínimo foi acompanhado de um aumento expressivo do emprego, verificando-se a criação de cerca de 400 mil empregos entre o final de 2014 e o final de 2018. Como consequência, a taxa de desemprego baixou de 13,9% em 2014 para 7% em 2018”, diz o estudo, assinado pelo pesquisador Diogo Martins. Confira aqui a íntegra do trabalho publicado pelo CES.

Nestes anos, o salário mínimo cresceu mais do que os salários médios, fazendo com que crescesse o número de trabalhadores a receber o piso nacional: de 12% do total, no final de 2013, para 22,1% no final do ano passado, já um pouco menos do que em 2016, por exemplo (23,3%). O autor afirma que a recuperação da economia portuguesa apresenta três características básicas: reduzida “elasticidade” entre salários nominais e reais e o crescimento, um aumento “pronunciado” do salário mínimo a um ritmo largamente superior ao aumento dos salários médios nominais e um “padrão heterogêneo” da proporção de trabalhadores a receber o salário mínimo em diferentes setores.

“A ausência da decisão política de aumentar o salário mínimo nacional teria determinado um crescimento nominal dos salários mais anémico do que o verificado”, diz ainda o autor em suas conclusões. Ele destaca a importância dessa decisão em um momento de estagnação. “Nesta circunstância, o salário mínimo é tanto um instrumento de política social à disposição dos decisores públicos como de política macroeconómica”, sustenta. No Brasil, o governo acabou com uma política de valorização que levou a um ganho real (acima da inflação) de aproximadamente 70% desde 2004.

A CGTP está em campanha para elevar o salário mínimo a 850 euros em curto prazo. Para janeiro próximo, reivindica um aumento equivalente a 90 euros para todos os salários. O dirigente da central observa que o mínimo é pago 14 vezes ao ano em Portugal.

“Caímos e levantamos”

“A vida prova que não se pode ter um país viável se quem trabalha, quem produz, não tiver condições de vida”, afirma Augusto Praça. Ele lembra que o movimento sindical português também foi atacado e sentiu os efeitos dessa ofensiva em sua organização. “Mas não tivemos um ataque tão profundo como aqui no Brasil. Para atacar os sindicatos, tinha de mexer na Constituição, e eles não tinham maioria no Congresso.”

Agora, há uma correlação de forças mais favorável, o que leva a CGTP a afirmar, em nota, que “existem condições para ir além do que aconteceu nos últimos quatro anos, investindo na melhoria da qualidade de vida e bem-estar da população e invertendo o rumo em matérias estruturantes para o futuro do país, como a actual legislação do trabalho”. A entidade afirma ainda que “um futuro melhor para o país e para os trabalhadores é indissociável da ruptura com a política laboral de direita”.

No tempo do enfrentamento, acrescenta o sindicalista, era necessário se preparar para um movimento prolongado, o que exigiu persistência e capacidade de mobilização. “Penso que o movimento sindical brasileiro se posiciona no mesmo patamar, organizando-se, resistindo e aumentando sua capacidade de luta.” Para isso foram criados os sindicatos, observa. “Há momentos de perda. Caímos e levantamos.”

Chico e Camões

As polêmicas ultrapassam o campo do sindicalismo, da economia e da política. Nos últimos dias, o noticiário deu conta de relutância de Jair Bolsonaro em assinar um diploma para Chico Buarque, vencedor do Prêmio Camões, honraria outorgada pelos governos brasileiro e português. O cantor e compositor manifestou-se pelas redes sociais, afirmando que não ter a assinatura presidencial representaria ganhar duplamente.

“Nós em Portugal temos um carinho muito especial pelo Chico Buarque. Faz parte, de certa forma, de nossa revolução em abril”, diz Augusto – natural de Vizeu, ao norte do país, a 80 quilômetros da cidade do Porto – ao  lembrar da Revolução dos Cravos, em 1974. No ano seguinte, Chico compôs Tanto Mar, que faz alusão àquele movimento – e chegou a ser censurada no Brasil. Em 1978, surgiu uma segunda versão, que mostra algum desencanto com os rumos da revolução. Ele também é autor, com Ruy Guerra, de Fado Tropical, composta na primeira metade dos anos 1970, originalmente para a peça Calabar.

“Acho que ele (Chico) não merece receber um prêmio com a assinatura de Bolsonaro”, afirma Augusto, que se lembra, com satisfação, de ter presenciado apresentações de Chico, Ruy Guerra, da cantora Simone e do grupo MPB4 durante um festival em seu país. “É uma atitude de dignidade”, acrescenta, sobre a reação do artista brasileiro contra “a violência de alguém que não sabe o que é cultura”. Para ele, Chico Buarque demonstra mais uma vez estar “do lado certo da história” e é um “herdeiro digno dessa tradição da cultura”, referindo-se a Luís de Camões.

FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: JORDANA MERCADO/CUT

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