‘Três meses de renda básica é pouco. A crise vai se alastrar’, alerta economista

03/04/20 | Lutas no Brasil

“No mínimo seis meses”, defende Monica de Bolle; “Desde a abolição, esse é um momento propício para deixar a população negra morrer”, diz Douglas Belchior

“O governo está embromando. Todos esses dias são uma eternidade terrível para quem está passando necessidade. A pessoa acaba tendo de sair de casa, deixar de se proteger para ganhar o que precisa para comer e se contaminar pelo vírus. Isso choca.”

A declaração da economista Monica De Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, deu o tom do debate promovido hoje (2) pela Oxfam Brasil para discutir a importância da renda básica contra os impactos do coronavírus no país. Até o momento da conclusão desta reportagem, a sanção presidencial do auxílio emergencial de R$ 600 aprovado por unanimidade no Congresso não havia sido publicada no Diário Oficial da União.

A economista, que defende a renda básica como política permanente e universal em um país de tamanha desigualdade como o Brasil, para ser acessada em momentos críticos como agora, entende que três meses de duração sejam insuficientes.

“Três meses é pouco. A crise vai se alastrar. Tinha de ser pelo menos seis meses. Doze prorrogáveis seria o ideal”, disse, destacando a importância do auxílio. “É a economia a serviço das pessoas; inclui, torna as pessoas cidadãs. É um tema que se discute há décadas e não tem nada a ver com ideologia atrelada. Tem direita, centro, esquerda.”

Monica considera que os projetos de lei que tramitam no Congresso para estender a duração da renda básica são exitosos. “Sabemos dos benefícios para a sociedade e para a economia, por isso acho difícil voltar atrás. Esperamos que essa renda emergencial se torne permanente”.

Para ela, não seria por falta de recursos. Há a cota única do tesouro, a União tem superávit por operações financeiras e há uma reserva de US$ 370 bilhões internacionais. “Não falta dinheiro. O que tem de fazer é o que muitos governos estão fazendo: emitir dívidas. Que a dívida vai aumentar, vai. Mas depois há como resolver”, disse.

Genocídio

Belchior: população mais pobre não tem como se proteger da Covid 19. (Foto: Reprodução)

“Se acontecer aqui o que acontece em países ricos, em cidades ricas, com ruas largas, arborizadas, como vai ser aqui? Temos de estar preparados para o pior. E se o afastamento é o mais indicado para prevenir o contágio e uma imensa parcela da população não pode se afastar, o que isso significa?”, questionou o professor e ativista do movimento negro Douglas Belchior.

Participante do debate da Oxfam Brasil, Belchior lembrou que os trens continuam lotados, as ruas continuam cheias. “Para essas pessoas, a prevenção está sendo negada. Falta água na torneira, comida em casa. Se a vacina é o afastamento, grande parte não tem acesso”.

Destacou ainda a falta de assistência para as periferias. Morador do extremo leste da capital paulista, ele lembrou que não há em quebradas como a dele investimentos proporcionais aos que estão sendo feitos nas regiões mais ricas da cidade de São Paulo, como hospital de campanha no estádio do Pacaembu.

E acredita que todos os desdobramentos relativos ao coronavírus no Brasil se devem ao fato de a doença ter se espalhado pela elite, colocando o estado em alerta. “E se fosse diferente? Teriam isolado todo mundo e que morressem”, disse, referindo-se à possibilidade de a covid-19 ter se disseminado primeiro entre os mais pobres.

E destacou que, se a população pobre e negra em sua maioria sofre com o racismo estrutural que dificulta o acesso aos serviços de saúde – as estatísticas para essa população para mortalidade, inclusive infantil e a realização de pré-natal são as piores – o momento é grave. “Desde a abolição da escravatura, em 1888, esse é o momento mais propício para deixar morrer. É genocídio”.

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