Rebanho sem imunidade | Artigo

16/04/21 | Lutas no Brasil

Imunidade de rebanho pode não ser alcançada com vacina, o que nos fará ter de conviver com o novo coronavírus por um bom tempo.

 

Será longo nosso convívio com esse coronavírus. As vacinas não são as balas de prata que o expulsarão do Brasil, em um ou dois anos.

Antes de elas existirem, já ouvíamos falar na tal imunidade de rebanho – ou coletiva, como preferem os especialistas – segundo a qual haveria controle da transmissão do vírus, quando pelo menos 60% a 70% da população fosse infectada.

Veja também: A saúde na pandemia

Defendida pelo nosso presidente e por seus ajudantes de ordens, a ideia de que seria melhor todos se infectarem logo para nos tornarmos imunes, além de ter-nos levado ao colapso do sistema de saúde e à liderança das mortes diárias no mundo, é de uma burrice enciclopédica.

Mesmo com a vacinação, atingir níveis de imunidade que eliminem o vírus é pensamento mágico. A revista “Nature” traz uma discussão, na qual são apontadas cinco razões para justificar essa impossibilidade:

1) Não sabemos se a vacinação é capaz de prevenir novas transmissões

As cinco vacinas já aprovadas pela Anvisa são muito eficazes na prevenção das formas graves da covid. Nenhum estudo, entretanto, demonstrou que pessoas vacinadas estão protegidas contra as apresentações assintomáticas. Se alguém vacinado for capaz de carregar o vírus nas mucosas nasais, a transmissão será mantida enquanto todos não estiverem imunizados.

2) Há disparidade na distribuição das vacinas

Quando 60% dos israelenses e 35% dos ingleses já haviam recebido pelo menos uma dose da vacina, apenas 13% dos brasileiros e 3% dos indianos haviam tido a mesma sorte. Mesmo um país pequeno como Israel, que vacina 1% da população por dia, enfrenta dificuldade para manter o ritmo: os mais jovens resistem à vacinação, a ponto de o Ministério da Saúde oferecer cupons para distribuir pizza e cerveja aos que se dispuserem a ser imunizados.

A vacinação prioritária dos mais velhos, justificada pelos índices de morte entre eles (72% no Brasil), retarda a imunização dos mais jovens, grupos que se movimentam mais nas cidades. Necessária para combater a disseminação, a vacinação de crianças ainda é incerta.

A Pfizer e a Moderna começaram a incluir adolescentes em seus estudos. A Oxford-AstraZeneca e a Sinovac estão testando em crianças com mais de 3 anos. Sem vacinar as crianças, será necessário imunizar cada vez mais adultos para nos aproximarmos de níveis protetores de imunidade.

Imagine alguém não vacinado que entre em contato com apenas um amigo. Se, ao receber uma vacina com 90% de eficácia, ele se reunir com dez amigos, correrá risco igual ao da fase pré-imunização

3) As novas variantes

Em junho de 2020, o grupo da doutora Ester Sabino, da USP, calculou que mais de 60% dos habitantes de Manaus apresentavam anticorpos contra o vírus, sinal de que ele infectara a maior parte dos manauaras. Muitos acharam que a imunidade coletiva fora alcançada. Em janeiro deste ano (2021), Manaus assistiu a uma onda ainda mais devastadora. A variante P.1 foi responsável por 100% dos casos.

Por surgirem ao acaso, as mutações num país desigual como o nosso poderão produzir cepas virais resistentes às vacinas. Essa situação exigirá novos imunizantes e campanhas periódicas, como as da gripe.

4) A imunidade não dura para sempre.

Embora quem já foi infectado esteja relativamente protegido contra novas infecções, cerca de 20% podem ficar doentes outra vez. Entre aqueles com mais de 65 anos, as recidivas podem chegar a 50%.

Além de não haver vacinas 100% eficazes, faltam dados para saber a duração da imunidade induzida por elas. Se nem a doença protege para sempre, é pouco provável que a vacinação o faça.

5) O impacto da vacina no comportamento social

A televisão mostra senhoras e senhores que, ao receber a primeira dose, dizem que agora visitarão os netos. Quanto mais gente estiver vacinada, maior será o número de interações sociais, fator que aumentará o risco de novas transmissões.

S. Banzal, da Universidade Georgetown, em Washington, propõe a seguinte situação: “Imagine alguém não vacinado que entre em contato com apenas um amigo. Se, ao receber uma vacina com 90% de eficácia, ele se reunir com dez amigos, correrá risco igual ao da fase pré-imunização”.

Em 2022, quando a maior parte dos brasileiros estiverem imunizados, será muito difícil convencê-los a não adotar os comportamentos pré-epidemia. Como explicar que a vacinação não será a garantia de que estaremos completamente seguros?

Sejamos realistas: esse coronavírus veio para ficar entre nós por muito tempo. A vacinação, no entanto, será capaz de evitar os casos graves e as mortes. Não é pouco. 

FONTE: DR.DRAUZIO VARELLA
FOTO: REPRODUÇÃO

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